As primeiras comunidades cristãs nasceram com uma grande certeza que as sustentava e as impelia ao anúncio do Mistério de Cristo e ao cumprimento do que Ele próprio havia ordenado: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura”. Essa certeza, que constituiu o conteúdo central do seu anúncio, o querigma, consiste na ressurreição de Jesus. Portanto, o Mistério Pascal, com ênfase na Ressurreição do Crucificado, e suas consequências para a vida prática são o cerne, o foco mais importante da catequese, da liturgia e de toda a vida cristã.
O cristianismo nascente, pouco a pouco, foi se separando dos costumes judaicos, ainda que tenha conservado muitos dos seus elementos preciosos. A participação na sinagoga, o sábado e os rituais litúrgicos foram sendo substituídos por novas práticas. Encontros, aos domingos, faziam a memória da morte e ressurreição de Cristo, celebravam um rito muito simplificado que lembrava a última ceia, ouviam os ensinamentos dos apóstolos e de outros líderes, e procuravam tirar consequências práticas, éticas, para a vida cotidiana. Não havia separação entre o que celebravam e o que acreditavam. O catecumenato, processo de preparação de adultos para a vida cristã, congregava muito bem catequese, liturgia, inserção na comunidade, missão e testemunho da fé.
O século IV d.C. trouxe consigo a obrigatoriedade do cristianismo em todo o império romano. O catecumenato foi se diluindo lentamente e, cada vez mais, foi se tornando comum o batismo de crianças. As grandes conquistas feitas pelo império romano traziam massas de homens e mulheres que deviam ser batizados e as comunidades cristãs não tinham estrutura para preparar bem tanta gente. A chamada ‘cristandade’ começa a se impor.
Pinturas, construções, arte, literatura, música, festas, tudo refletia os ensinamentos dados pela religião cristã. Bastava olhar para um quadro, por exemplo, e já se via ali estampado algum motivo religioso. Nascia-se cristão, como peixe nasce nadando, e não se julgava necessária uma catequese mais aprofundada; afinal, a religião estava em tudo e era tudo. A liturgia foi ficando cada vez mais complexa e distante do povo, em muitos casos reduzida apenas a um ritualismo muito bonito de se ver.
O início do século XIV marcou a história do Cristianismo com a Reforma Protestante de Lutero. Ele queria os pastores mais perto do rebanho, dando-lhe alimentação doutrinal e espiritual. Colocou a Bíblia na mão do povo e organizou um catecismo para instruí-lo. Infelizmente, faltou diálogo de ambos os lados, da parte da Igreja e dos reformadores.
A resposta da Igreja veio com o Concílio de Trento (1545-1563). Para fortalecer a base doutrinal dos adultos e das crianças, a Igreja investiu na catequese formal, organizando salas de estudo e vinculando catequese à doutrinação nas escolas paroquiais. Começou o tempo dos conteúdos a serem decorados e das famosas “perguntas e respostas”. A liturgia foi se distanciando do povo. A língua deixa de ser a de cada povo com a unificação do latim e sua obrigatoriedade. Adotou-se, para os ritos, um conjunto de símbolos, objetos, roupas e normas próprias da Europa.
Muitas celebrações chegaram a parecer verdadeiros ‘teatros’. Também seu conteúdo se esvaziou, pois o próprio Mistério Pascal foi ficando de escanteio, cedendo lugar às devoções. O que acontecia na Igreja era bonito de se ver, mas tinha pouca relevância na vida prática do cristão. Até a Eucaristia servia mais para ser exposta, vista, contemplada, adorada, enquanto perdia-se a dimensão da ceia e do sacramento da união do cristão com a causa de Jesus Cristo!
Catequese e Liturgia se separaram drasticamente. A primeira foi reduzida a conceitos. A segunda transformou-se numa grande farmácia para o povo, tendo os sacramentos como remédios. Foi necessário que o Espírito Santo, Eterno Renovador da Igreja, soprasse forte e iluminasse a mente do Papa João XXIII, que teve a ousadia de afirmar em meados do século XX: “Não é o Evangelho que muda; nós que começamos a compreendê-lo melhor. Chegou o momento de reconhecer os sinais dos tempos, de aproveitar a oportunidade e olhar longe”. E o Concílio Vaticano II veio resgatar os autênticos valores cristãos dispersos nos dois mil anos de Cristianismo!
Em se tratando da necessária interação entre catequese e liturgia, foi a Declaração sobre a Educação Cristã, intitulada Gravissimum Educationis, que mais claramente definiu o objetivo da catequese, ao afirmar que ela ilumina e fortifica a fé, nutre a vida segundo o espírito de Cristo, leva a uma participação consciente e ativa no mistério litúrgico e desperta o cristão para a atividade apostólica.
O Papa João Paulo II escreveu um importante documento sobre a catequese, chamado Catechesi Tradendae, no qual afirma: “A catequese está intrinsecamente ligada com toda a ação litúrgica e sacramental, porque é nos Sacramentos e, sobretudo, na Eucaristia, que Cristo Jesus age em plenitude para a transformação dos homens”.
Mas o grande marco na dimensão catequética, para nós brasileiros, foi o documento 26 da CNBB, Catequese Renovada. Seu impacto mudou a rota da caminhada da catequese. Dois números desse documento merecem destaque por refletirem a importante interação entre Catequese e Liturgia. No número 89 se lê: “Não só pela riqueza de seu conteúdo bíblico, mas pela sua natureza de síntese e cume de toda a vida cristã, a Liturgia é fonte inesgotável de Catequese. Nela se encontram a ação santificadora de Deus e a expressão orante da fé da comunidade.
As celebrações litúrgicas, com a riqueza de suas palavras e ações, mensagens e sinais, podem ser consideradas uma catequese em ato”. E o número posterior acrescenta: “A Liturgia, com sua peculiar organização do tempo (domingos, períodos litúrgicos como Advento, Natal, Quaresma, Páscoa) pode e deve ser ocasião privilegiada de Catequese, abrindo novas perspectivas para o crescimento da fé, através das orações, reflexão, imitação dos santos e descoberta não só intelectual, mas também sensível e estética, dos valores e das expressões da vida cristã”.
O Documento 84 da CNBB, Diretório Nacional de Catequese, dedicou vários números ao tema da Catequese e Liturgia, sempre reafirmando a mútua dependência dessas duas dimensões da ação pastoral da Igreja. Considera, primeiramente, a Liturgia como fonte da catequese, e cita a proclamação da Palavra, a homilia, as orações, os ritos sacramentais, a vivência do ano litúrgico e as festas como momentos de educação e crescimento na fé. Logo a seguir, o Diretório insiste na catequese litúrgica, dizendo que “é tarefa fundamental da catequese iniciar eficazmente os catecúmenos e catequizandos nos sinais litúrgicos e através deles introduzi-los no mistério pascal”.
Faz-se necessário e urgente o desenvolvimento de um processo de integração, colaboração mútua, diálogo franco e construtivo entre catequistas e agentes da pastoral litúrgica. Não se trata de uma relação opcional ou de considerar uma ou outra dimensão como apêndice, mas de se perceber o quanto uma se esvazia sem a outra.
É importante repensarmos nossa prática no que se refere ao modo como celebramos nos encontros catequéticos, como lidamos com a dimensão do simbólico, especialmente com os sinais litúrgicos. Realmente celebramos ou somente inserimos orações como anexos pouco importantes em nossos encontros? Ensinam-se orações, mas não se educa para a atitude orante e celebrativa. Fala-se da oração e da liturgia, mas desconhece-se a missão iniciática da catequese, isto é, ainda não se entendeu que a catequese precisa iniciar os catequizandos à riqueza da liturgia, nas suas mais variadas formas e meios de celebrar a vida e a fé.
Artigos de Dom Félix sobre “Catequese e Liturgia”