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Proibição de sacramentos no rito tradicional em Roma é criticada

Canonistas e especialistas em liturgia consideram a instrução pastoral da diocese de Roma proibindo a celebração de todos os sacramentos, com exceção da Eucaristia, na forma tradicional do rito romano anterior à reforma do Concílio Vaticano II, ilegal e prejudicial às almas, se continuar em vigor.

As diretrizes, publicadas em uma carta de 7 de outubro assinada pelo vigário de Roma, cardeal Angelo De Donatis, afirma que, à luz do motu proprio Traditionis custodes (Guardiões da Tradição) do papa Francisco, “não é mais possível usar o Rituale Romanum e outros livros litúrgicos do ‘rito antigo’ para a celebração dos sacramentos e sacramentais (por exemplo, nem mesmo o ritual de reconciliação dos penitentes de acordo com a forma antiga).”

Esses sacramentos, diz De Donatis, são “expressamente proibidos e apenas o uso do Missale Romanum de 1962 continua permitido”.

A diocese proibiu, portanto, todas as formas sacramentais tradicionais de batismo, matrimônio, ordenação, penitência, confirmação e extrema unção, ou unção dos enfermos. A instrução também proibiu a celebração do Tríduo Pascal no rito tradicional em qualquer igreja da diocese. O titular da diocese de Roma é o papa. Como o papa tem responsabilidade sobre a Igreja universal, cabe ao vigário-geral administrar o dia-a-dia da diocese.

O Cardeal De Donatis disse ter emitido a instrução a fim de fornecer “diretrizes precisas” para a implementação de Traditionis custodes e “para o bem espiritual dos fiéis”.

Traditionis custodes restringe radicalmente a missa tradicional, também conhecida como missa tridentina, que era celebrado antes das reformas litúrgicas do papa são Paulo VI de 1970.

O motu proprio revogou os decretos papais dos últimos 35 anos que liberalizaram o uso da forma antiga da missa, especialmente a carta apostólica de 2007 de Bento XVI, Summorum pontificum, que estendia a todos os padres o direito de celebrar a missa usando o Missal Romano de 1962.

Traditionis custodes estipula que os padres que queiram celebrar o rito tradicional têm que pedir autorização por escrito ao bispo diocesano. Também acabou com o direito de celebrar a missa tradicional em igrejas paroquiais.

O papa Francisco disse querer um “retorno no tempo devido” à liturgia instituída após o Concílio Vaticano II, e que havia imposto o decreto porque alguns fiéis tradicionais rejeitam o Vaticano II e afirmam que a liturgia reformada trai “a tradição e a ‘Igreja verdadeira. Ele, portanto, disse que se sentiu impelido a dar um passo tão drástico “em defesa da unidade do Corpo de Cristo” depois que liberalizações anteriores do antigo rito, ele acreditava, foram exploradas para expor a Igreja “ao perigo de divisão.”

Os críticos dizem que a instrução de Roma vai muito além do decreto do papa, que não mencionou a proibição dos antigos ritos litúrgicos.

O padre Gerald Murray, canonista de Nova York, chamou a atenção para o artigo 1 de Traditionis custodes, segundo o qual os livros litúrgicos do novo Missal Romano “são a única expressão da lex orandi [lei da oração] do Rito Romano”, frase que, segundo ele “não estabelece em si que todos os outros ritos sacramentais em uso no momento da publicação de Traditionis custodes estão proibidos”.

Outras formas do rito romano, como por exemplo, o Ordinariato Anglicano e os ritos ambrosiano, galicano e dominicano, são “claramente distintos da ‘expressão única do lex orandi’ encontrada nos ritos romanos revisados.” Disse o Padre Murray: “Visto que a proibição dos ritos sacramentais mais antigos não está expressamente declarada em Traditionis custodes, não se deve afirmar que esta suposta proibição está, de fato, agora em vigor em virtude de uma identificação do que constitui a ‘única expressão da lex orandi.’”

Peter Kwasniewski, especialista em liturgia tradicional, observou que a ausência de uma proibição clara em Traditionis custodes significa que a instrução de Roma viola o cânon 18 do Código de Direito Canônico, pelo qual qualquer lei, pena ou restrição ao livre exercício de direitos deve estar sujeita a “interpretação estrita.”
“Em outras palavras, se um sacramento deve ser cancelado, claramente uma pena ou uma restrição ao livre exercício de direitos, então tem que ter sido expressamente cancelado. Mas Traditionis custodes não fez isso”, disse Kwasniewski.

O cânon 17 diz que, se o significado de uma lei é “duvidoso e obscuro”, deve-se consultar a mente do legislador. Kwasniewski lembrou que em comentários informais em setembro, o papa disse que o motu proprio não sugeria “abolir os antigos ritos ou o tríduo”, mas estabelecia “limites”.

“Portanto, ou o vicariato está se afastando da mente do legislador ou não há clareza que possamos ter sobre o que exatamente é essa mente, caso em que o Cânon 14 entra totalmente em jogo”, argumentou Kwasniewski. O cânon 14 estipula que os regulamentos “não obrigam quando houver dúvida sobre a lei”.

O padre Murray concorda. Ao proibir seis dos sete sacramentos na forma antiga, o vicariato de Roma agiu “além das palavras da Traditionis custodes e da intenção do legislador”, diz. “Portanto, existe uma dúvida de lei e, portanto, a proibição de tais celebrações carece de força de lei até o momento em que a dúvida de lei tenha sido resolvida.”

As proibições de Roma também ameaçam violar as constituições aprovadas pela Santa Sé de comunidades dedicadas à liturgia tradicional, como a Fraternidade Sacerdotal de São Pedro, o Instituto Cristo Rei e o Instituto Bom Pastor, todas presentes em Roma.

O Padre Murray sublinhou que essas constituições “permanecem em vigor e não podem ser anuladas por uma carta pastoral do vicariato de Roma sem a aprovação específica do Papa”.

Como consequência das proibições da diocese de Roma, Kwasniewski acredita que os adeptos da forma tradicional viajarão para onde possam receber os sacramentos, possivelmente uma paróquia administrada pela Sociedade de São Pio X que não está em plena comunhão com Roma.

O padre Claude Barthe, especialista em liturgia tradicional e padre da diocese de Fréjus-Toulon, na França, disse acreditar que a instrução de Roma tem “toda a aparência de um balão de ensaio” e que tentativas “serão feitas para impor isso em outro lugar”. Até agora, poucas outras dioceses seguiram o exemplo. Le Havre na França é uma delas.

Uma grande preocupação, observada em 12 de dezembro pelo site francês Paix Liturgique, de defesa da liturgia tradicional, é que se as proibições fossem estendidas às comunidades tradicionais, isso teria um “efeito devastador nas vocações que essas comunidades atraem”.

Monsenhor Charles Pope, da arquidiocese de Washington, DC, EUA, disse lamentar “profundamente” a decisão do vicariato de Roma. Ele teme que muitos bispos “possam vê-lo como um modelo a seguir”. Pope acredita que ambas as formas do rito devem viver pacificamente lado a lado, permitindo a “diversidade e inclusão tantas vezes saudada por muitos”.

“Colocar as pessoas à margem não parece promover a unidade que Francisco busca”, disse Pope. “Ter pessoas perto do coração da Igreja que desejam apenas o que a Igreja fez por séculos parece muito mais unidade.”

O vicariato de Roma não respondeu à reportagem. O arcebispo Arthur Roche, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, e o cardeal João Braz de Aviz, prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica foram procurados. Eles cuidam da aplicação de Traditionis custodes, nas dioceses e nas comunidades tradicionais, respectivamente.

O cardeal brasileiro Braz de Aviz se recusou a comentar. O Arcebispo Roche indicou uma curta entrevista em 14 de novembro com uma rede de televisão suíça de língua italiana, na qual ele disse que Traditionis custodes foi publicada porque o “experimento” para liberalizar os ritos tradicionais “não teve um sucesso total” e por isso foi necessário voltar ao que o Concílio Vaticano II “exigia da Igreja”. Nos comentários veiculados pela emissora, ele não falou sobre a proibição dos sacramentos tradicionais.

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