Aproxima-se o encerramento do Jubileu Extraordinário da Misericórdia. Desde a proclamação do Ano Santo, o papa Francisco exortou-nos para que, “com convicção, ponhamos novamente no centro o sacramento da reconciliação, porque permite tocar sensivelmente a grandeza da misericórdia” (MV 17).
Apesar de todos os sacramentos serem canais de transmissão da Misericórdia de Deus, essa função é desempenhada, por excelência, pelo sacramento da reconciliação. Contudo, “nenhum outro sacramento esteve e ainda está em tão sério perigo como o sacramento da reconciliação; isso talvez por causa de seu rígido esquema ritual e de uma praxe mais ou menos legalista, dissociada da vida” (HÄRING, 1998, p. 32). Além disso, em muitas paróquias já não é praticado como antigamente. Quem até décadas passadas se confessava com frequência atualmente não se confessa mais.
Diante dessas observações, percebe-se a relevância do tema abordado nas páginas que seguem.
- Reconciliação: sacramento do amor primeiro de Deus
O Novo Testamento conceitua a plenitude do amor entre Deus e o ser humano e dos seres humanos entre si por meio do termo “ágape”, que indica um amor descentrado de si, totalmente voltado ao bem do outro, oblativo e gratuito (Mt 5,38-48). Este amor que não conhece fronteiras é o eixo hermenêutico de toda a mensagem cristã. João escreve:
Nisto se manifestou o amor de Deus por nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo para que vivamos por ele. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e enviou-nos o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados (1Jo 4,9-10).
Trata-se de um “amor primeiro”. Brota, exclusiva e diretamente, da bondade de Deus. Não é suscitado pelas qualidades humanas. Paulo o explicita muito bem quando afirma: “Mas Deus demonstra seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós quando éramos ainda pecadores” (Rm 5,8). Tal afirmação possui como pano de fundo a visão hebraica de misericórdia, ligada ao útero materno, onde a vida humana é amada e acolhida antes de nascer e de poder retribuir. Nesse sentido, então, Paulo escreve a Tito:
Mas quando a bondade e o amor de Deus, nosso Salvador, se manifestaram, ele salvou-nos não por causa dos atos justos que houvéssemos praticado, mas porque, por sua misericórdia, fomos lavados pelo poder regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele ricamente derramou sobre nós, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que fôssemos justificados pela sua graça e nos tornássemos herdeiros da esperança da vida eterna (Tt 3,4-7).