O sacramento da reconciliação torna visível este amor primeiro de Deus que se manifestou em Jesus Cristo: “Tudo nele fala de misericórdia. Nele, nada há que seja desprovido de compaixão” (MV 8). Por isso, antes da confissão dos pecados, vem a confissão do amor gratuito de Deus ou, para usar uma expressão da Igreja oriental, a confessio laudis.
Na dinâmica desse sacramento, o primado não é do arrependimento do ser humano, apenas após o qual seria seguido pelo perdão de Deus. Se fosse assim, o “ágape” divino perderia sua dimensão de gratuidade, porque estaria submisso ao bem-querer humano. Cair-se-ia numa forma legalista de celebrar a reconciliação. Na realidade, o arrependimento do pecador é possível porque a bondade de Deus o precede.
Na parábola do Pai Misericordioso (Lc 15,11), é evidente que, antes da tomada de consciência do próprio pecado, o que move o filho ao retorno à casa paterna, se por um lado é a fome, por outro é a lembrança da bondade do pai até com os empregados, aos quais oferece comida com fartura (Lc 15,16-17).
Finalmente, só com base em uma visão que prioriza a gratuidade do amor de Deus será possível recuperar a dimensão pascal do sacramento da reconciliação. Com efeito, o perdão dos pecados, a intervenção de Deus que perdoa em nossa existência, acontece – antes de tudo e uma só vez por todas e apenas – na Cruz de Cristo; todo o resto é só o tornar-se eficaz dessa ação reconciliadora de Deus em Cristo (Rahner apud RAMOS-REGIDOR, 1989, p. 293).
Dissociado do evento pascal, do qual é sinal, o sacramento da reconciliação se reduz a mero ato judicial no qual o pecado só espera sua condenação. Numa perspectiva pascal, o pecado qualifica-se como “feliz culpa”, isto é, a oportunidade para experimentar o perdão salvador de Deus. Nesse sentido, pode ser considerado a porta de acesso ao sacramento da reconciliação.
- O pecado: porta de acesso ao sacramento da reconciliação
Quando o assunto é “pecado”, a pastoral se encontra diante de dúplice desafio. Por um lado, percebe-se certa necessidade de superação da visão tradicional objetivista que apresentava as coordenadas necessárias para pautar a vida moral. Sabe-se que a modernidade é contrária a uma objetividade que não envolva o todo do ser humano. Por outro lado, sabe-se que uma negação da realidade do pecado levaria a uma desvalorização da redenção de Jesus Cristo e a uma relativização da responsabilidade humana diante do mal que acontece (cf. LIBANIO, 1976, p. 15).
Do ponto de vista da fé, o pecado, antes de ser uma transgressão de normas e preceitos, é um estado no qual a pessoa, livre e espontaneamente, se encontra no relacionamento com Deus. O Antigo Testamento o identifica como orgulho do ser humano diante de Deus (Gn 11,1-9; Dt 7,25; 11,35) e causa de relação perversa com Deus (Gn 2,18-23), com a natureza (Gn 4,24) e com o semelhante (Gn 4,8).
Dessa forma, o pecado, traduzido com o hebraico het’ (lit. “errar o alvo”), impede a pessoa de alcançar seu objetivo, distorcendo seu juízo sobre a realidade. Para o Novo Testamento, o pecado é realidade que jaz no coração humano (Mc 7,21ss); como uma força que leva a preferir as trevas à luz (Jo 3,19), e se manifesta como ódio, homicídio e mentira (Jo 8,4; 1Jo 3,12-15). Desde Adão, escraviza o ser humano e em Cristo encontra sua superação (Rm 5,12-19; 7,1-25) (MACKENZIE, 1984, p. 705-709).
Quanto mais o homem se fecha em si, menos aberto se encontra diante de Deus, menos possibilidade tem de compreender o pecado. Daí que, teologicamente falando, o pecado, sendo a negação do amor, o fechar-se em si mesmo, provoca naturalmente a atitude paradoxal de sua autoignorância. Quanto mais pecador, tanto menos se sente pecador. No momento em que alguém se julga realmente pecador, nesse momento a graça de Deus o atingiu e ele começou a caminhada de ascensão do pecado para a graça e se torna de fato menos pecador. Afirmar que quem vive de fato no pecado não aceita o pecado é uma tautologia. Ele é uma realidade teológica que só pode ser entendida à luz da Revelação, sob o influxo da graça (LIBANIO, 1976, p. 22).