A catequese doutrinal, predominante há séculos na práxis da Igreja, tinha um único objetivo: transmitir, por meio da doutrina, as verdades da fé. Nessa compreensão catequética, “ser catequizado significava conhecer e aprender a doutrina tal qual ela era anunciada” (CARMO, 2016, p. 70). Assim, a Palavra de Deus consignada na Escritura tornou-se algo periférico na prática catequética, pois servia apenas para justificar e fundamentar a doutrina. Foi lançada ao exílio (ALBERICH, 2013, p. 103), enquanto a doutrina e os preceitos morais se tornaram as pupilas dos olhos da catequese.
Com o Concílio Vaticano II, a Escritura ganhou destaque na transmissão da fé. Retornamos ao audire verbum das origens (ALBERICH, 2013, p 103) e a catequese recuperou sua identidade perdida.
A catequese é uma forma peculiar do ministério da palavra na Igreja, é serviço da palavra. Frequentar a catequese era, antigamente, audire verbum, ouvir a palavra. Depois que o Concílio Vaticano II resgatou, em certo sentido, a palavra de Deus do “exílio” forçado a que ficou relegada por tanto tempo (cf. DV cap. 6), a catequese recuperou sua identidade mais profunda, sua nova face, em relação às épocas passadas: passa-se da “doutrina” à “mensagem”, do “ensinamento” ao “anúncio”, do “catecismo” à “catequese” (ALBERICH, 2013, p. 103).
Para Alberich, a identidade mais profunda da catequese é o serviço à Palavra, serviço ao Evangelho, comunicação da mensagem cristã e anúncio de Cristo (ALBERICH, 2013, p. 94). Assim, “podemos chamar de catequese toda forma de serviço eclesial da palavra de Deus orientada para fazer amadurecer, na fé cristã, as pessoas e as comunidades” (ALBERICH, 2013, p. 94).
Também, o Diretório Nacional da Catequese (DNC 106), fazendo eco à Catechese Tradendae de João Paulo II (1979), lembra-nos de que a palavra de Deus é a fonte da catequese.
A fonte na qual a catequese busca a sua mensagem é a Palavra de Deus: Jesus mesmo nos deu o exemplo. “A catequese há de haurir sempre o seu conteúdo na fonte viva da Palavra de Deus, transmitida na Tradição e na Escritura, porque a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só depósito inviolável da Palavra de Deus, confiada à Igreja” (CT 27) (DNC 106).
Assim, Palavra de Deus e catequese estão intimamente ligadas. Esta está à serviço daquela. No centro da catequese, encontra-se a “Palavra de Deus revelada em Jesus Cristo” (ALBERICH, 2013, p. 107). E o serviço à Palavra nada tem a ver com determinismos, fundamentalismos bíblicos ou o uso de textos específicos para justificar algo de nosso interesse (CARMO, 2016, p. 73).
Por se tratar da revelação divina ou da autocomunicação de Deus, não é possível obrigar a Palavra a dizer o que cremos e defendemos, nem é razoável reduzi-la a um objeto de estudo apenas. “Superada uma consciência predominantemente intelectual da revelação (nos moldes da transmissão magisterial de verdade) hoje se propõe uma visão mais existencial e pessoal, mais cristológica e aberta à história” (ALBERICH, 2013, p. 107).
O Diretório Nacional da Catequese, retomando uma fala de João Paulo II, recorda-nos o perigo de reduzir a Palavra de Deus a um conjunto de normas morais e de doutrinas, anulando sua força.
Na catequese, quando se fala em conteúdo, pensa-se em geral na doutrina e na moral. Essa visão afeta o encaminhamento do processo catequético. Mensagem é comunicação de algo importante. João Paulo II afirmou enfaticamente: “Quem diz mensagem diz algo mais que doutrina. Quantas doutrinas de fato jamais chegaram a ser mensagem. A mensagem não se limita a propor idéias: ela exige uma resposta, pois é interpelação entre pessoas, entre aquele que propõe e aquele que responde” (DNC 98).
a Igreja quer que, em todo o ministério da Palavra, a Sagrada Escritura tenha uma posição proeminente. A catequese, em síntese, deve ser “uma autêntica introdução à Lectio divina, isto é, à leitura da Sagrada Escritura feita ‘segundo o Espírito” que habita na Igreja’. […] Nesse sentido “falar da Tradição e da Escritura como fonte da catequese, quer dizer sublinhar que esta última deve embeber-se e permear-se com o pensamento, com o espírito e com as atitudes bíblicas e evangélicas, mediante um assíduo contato com tais textos” (DGC 127. Grifos do autor).
Na mesma perspectiva, o Diretório Nacional da Catequese insiste:
Dentro da Tradição, a Bíblia ocupa lugar especial: nela, a Igreja reconhece o testemunho autêntico da Revelação divina.[…] No centro das Escrituras estão os evangelhos, que apresentam Jesus, sua vida, mensagens e suas ações salvíficas. Exprimem a base dos ensinamentos das primeiras comunidades cristãs, o primeiro livro de catequese desde as origens da Igreja (cf. DGC 98; TM 24) (DNC 107).
Se a catequese, como afirma Alberich, é “um caminho de fé sempre aberto, longe de uma visão triunfalista com a pretensão de ter respostas prontas e quase pré-fabricadas para todos os problemas religiosos e humanos” (ALBERICH, 2013, p. 105), sua alma deve ser a Escritura Sagrada, na qual está consignada a Palavra de Deus. E é na realidade concreta da história que essa Palavra se faz carne, se faz vida. “No centro da catequese está a necessidade da integração entre fé e vida. O anúncio da Palavra se faz a partir das situações e dos problemas da vida” (SOUSA, 2014, p. 639).
Assim, a Bíblia é muito mais que um conjunto de normas morais e de doutrina. Não é também um livro de oráculos religiosos, que devem ser cumpridos ao pé da letra. Ela é um testemunho de fé dos que nos antecederam nessa aventura da busca do sentido da vida. Por isso, contém uma mensagem de Deus capaz de interpelar o ser humano a uma vida plena, pois nos apresenta não apenas um conteúdo, mas uma pessoa, Jesus Cristo, que é a Palavra de Deus por excelência (ALBERICH, 2013, p. 108).
4 DIMENSÃO CRISTOCÊNTRICA DA CATEQUESE