Para nossos contemporâneos, a fé cristã tornou-se em um lenga-lenga (VILLEPELET, 2000, p. 83), um discurso inodoro e insípido que nada acrescenta à vida . Ou, pior ainda, a fé cristã tem sido experimentada por nossos contemporâneos como um alimento indigesto e amargo graças aos interditos impostos, especialmente no campo da moral sexual.
Diz Jesus nas palavras do evangelista Mateus: “Não se põe vinho novo em odres velhos; caso contrário, estouram os odres, o vinho se entorna e os odres ficam inutilizados. Antes, o vinho novo se põe em odres novos; assim ambos se conservam” (Mt 9,17). O tempo presente pede que se repense a fé, seu conteúdo, sua linguagem e seus métodos de transmissão e recepção . É preciso fazer a passagem de uma catequese doutrinal para uma catequese existencial, cuja marca registrada seja a vida humana e sua possibilidade de ser mais: mais bela, mais fraterna, mais alegre, mais feliz.
Sem essa abertura para a mudança, mumificamos a fé e a Igreja se transforma em “uma instituição anacrônica, inassimilável para a nova sensibilidade democrática (o melhor dela, aliás), tão lenta e duramente conquistada. E não só ‘tira sua credibilidade’ para fora, como também cria gravíssimos problemas para dentro” (QUEIRUGA, 2003, p. 250).
Retraduzir-se para um novo marco civilizacional não significa vender-se no mercado religioso. Ao contrário, “significa exercer o primeiro direito e o fundamental dever de toda vida, que é conservar-se mediante a transformação no tempo e (no caso da humana) mediante a criação de nova história. […] Agarrar-se às formas do passado – parece continuidade, mas significa mumificação; parece assegurar a vida, mas equivale a vender-se à morte” (QUEIRUGA, 2003, p. 246. Grifos do autor).
O desafio atual não é vestir o velho processo de iniciação cristã com roupagens novas. A catequese escolar, doutrinal, despersonalizada, direcionada a preparar crianças e jovens para a recepção dos sacramentos, não corresponde mais às necessidades atuais pois tem sinais claros de falência . Essa catequese já teve seu lugar na história da Igreja, especialmente quando vivíamos no regime de cristandade. Pressupondo que as famílias e a sociedade cuidavam da iniciação de seus membros, principalmente das crianças, cabia à comunidade eclesial completar esse processo com uma breve formação religiosa que culminava na crisma ou na primeira eucaristia.
“Criou-se, assim, um paradigma que, com pequenas mudanças, vigorou por séculos sem ser questionado” (GRUEN, 2004, p. 398). Mas a cristandade virou quimera e, agora, vivemos num mundo pós-cristão, no qual a fé cristã foi exculturada , ou seja, ela não direciona mais os rumos da sociedade; foi colocada na periferia da organização social e migrou para o âmbito da subjetividade. Tornou-se “incompreensível até para a maioria dos cristãos” (GRUEN, Novos sinais, p. 404) e a catequese não pode mais se contentar em acompanhar ou burilar uma fé que não existe (GEVAERT, 2005, p. 5-16).
Esse modelo de catequese se preocupava pouco com a transmissão da fé e bem mais com o ensino da doutrina. O querigma, núcleo duro da fé e seu eixo principal, ficava de fora do processo. O ato catequético era pouco ou quase nada querigmático; importava ensinar aos destinatários as particularidades da fé cristã católica, tais como os sacramentos, os mandamentos, as orações, a liturgia etc. Hoje, porém, isso mudou completamente. No mundo atual, plural e multirreferencial, a fé não é mais uma evidência social. Daí a urgência de desenvolver em nossas comunidades um processo de iniciação à vida cristã (DAp 289) que
comece pelo querigma e que, guiado pela Palavra de Deus, conduza a um encontro pessoal, cada vez maior, com Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito homem, experimentado como plenitude da humanidade e que leve à conversão, ao seguimento em uma comunidade eclesial e a um amadurecimento da fé na prática dos sacramentos, do serviço e da missão (DAp 289).
Assim, o tempo presente impele a catequese a se lançar, sem medo, no mar bravio de ondas fortes que é o mundo, no desejo de se reinventar. Essa aventura comporta riscos e carrega muitos desafios, como afirma o papa Francisco na sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (EG 49). Mas, para se chegar a águas tranquilas e a prados verdejantes (Sl 23), não resta alternativa senão enfrentar a tormenta e o vale sombrio da morte. Como disse Mateus sobre a multidão, também hoje a sociedade está repleta de homens e de mulheres que vivem cansados e abatidos “como ovelhas sem pastor” (Mt 9,36), ávidos da água da fonte da vida (Jo 4,14).