A casa é espaço de acolhida, de anúncio da Palavra e de libertação. Sabendo que Jesus estava em casa, em Cafarnaum, tantos o procuraram, que já não havia lugar à porta (Mc 2,1-12). Quatro pessoas solidárias transportam um paralítico para a casa onde se encontra Jesus a pregar. Fazem-no de modo criativo e persistente. A fé deles, revelada na prática amorosa, é percebida por Jesus, que, surpreendentemente, diz ao paralítico: “Teus pecados estão perdoados”.
O perdão divino é dom gratuito. A reconciliação com Deus resgata a integridade da pessoa, bem como a sua liberdade de pôr-se em movimento, desatrelando-se de um sistema religioso que separava os abençoados “justos” ou “puros” (judeus cumpridores da Lei) dos amaldiçoados “pecadores” ou “impuros” (doentes, estrangeiros, empobrecidos…).
A vida íntegra é condição indispensável para a autêntica realização humana. É necessário, para isso, sanar as rupturas interiores bem como o sentimento de culpa, de inferioridade, de insegurança e de medo da condenação divina. Para isso, Jesus oferece o perdão dos pecados, restabelecendo a unidade interior e a confiança absoluta em Deus, fonte de vida e salvação. Os escribas, teólogos mantenedores daquele sistema excludente, escandalizam-se diante da atitude de Jesus. Em sua lógica, consideram-no blasfemo. No entanto, a lógica de Jesus é outra. Dirige-se ao paralítico, ordenando: “Levanta-te, toma o teu leito e vai para a tua casa”.
Jesus, a misericórdia em movimento, atua de modo a reconstruir a humanidade, resgatar a dignidade dos filhos e filhas de Deus e, consequentemente, restabelecer a fraternidade e a justiça. Na casa de Levi, ele senta à mesa com publicanos e pecadores (Mc 2,15-17). Põe-se em comunhão de vida com o povo considerado ignorante e impuro pela teologia oficial. E declara: “Eu não vim chamar justos, mas pecadores”.
O chamamento de Jesus é para o banquete da vida, conforme ensina também por meio de parábolas, como a dos convidados em Lucas 14,15-24 e as três parábolas da misericórdia no capítulo 15. A centralidade da mensagem de Jesus é a revelação de Deus como Pai/Mãe, cuja misericórdia ultrapassa toda medida humana. Em outro momento, Jesus encontra-se à mesa, como convidado de um fariseu chamado Simão, quando aparece “uma mulher da cidade, uma pecadora… Ficando por trás, aos pés de Jesus, ela chorava; e com as lágrimas começou a banhar-lhe os pés, a enxugá-los com os cabelos, a cobri-los de beijos e a ungi-los com o perfume…” (Lc 7,36-50).
O fariseu fica horrorizado, uma vez que, segundo a sua concepção religiosa, o ambiente fica impuro com a presença de uma mulher tão indigna. Apegado à sua tradição de pureza, não percebe as lágrimas e não capta o sentido dos gestos de amor e de ternura que ela realiza. Desqualifica o profeta Jesus, que parece não saber quem é aquela intrusa e indesejável. “Se uma pessoa não quer incorrer no juízo de Deus, não pode tornar-se juiz do seu irmão. É que os homens, no seu juízo, limitam-se a ler a superfície, enquanto o Pai vê o íntimo” (MV 14).
Para o fariseu, não havia dúvida de que a pecadora deveria ser retirada daquele ambiente. Jesus, que não é moralista nem seguidor de normas que discriminam, deixa-se tocar e amar do jeito que só aquela mulher sabia fazer. Por meio de uma parábola, ajuda o fariseu a entrar também na dinâmica da misericórdia divina, que refaz a inteireza do ser humano e lhe possibilita uma vida radicalmente nova, de paz e salvação.
Vida nova foi o que Jesus possibilitou à filha de Jairo, chefe da sinagoga que, “caindo aos pés de Jesus, rogava-lhe que entrasse em sua casa, porque sua filha única, de doze anos, estava à morte” (Lc 8,40-55). Ela ficou de pé no mesmo instante em que Jesus, “tomando-lhe a mão, chamou-a…”. Entrelaça-se neste episódio a cura de “uma mulher que sofria de um fluxo de sangue, fazia doze anos, e que ninguém pudera curar”.
Tanto a filha de Jairo como esta mulher são figuras do povo de Israel sob o domínio do legalismo que exaure a vida e a liberdade. Desembaraçando-se dos preconceitos religiosos e saltando a lei que a impedia de estar no meio da multidão (cf. Lv 15,19-27), a hemorroíssa aproxima-se de Jesus e toca suas vestes, ficando imediatamente curada. Jesus, sensível a tudo o que lhe acontece ao redor, deseja conhecê-la e abre-lhe a possibilidade de revelar-se perante todos para testemunhar sua cura. Ele a acolhe com especial predileção: “Minha filha, tua fé te salvou; vai em paz”.
“Em certo sábado, entrou na casa de um dos chefes dos fariseus para tomar uma refeição” (Lc 14,1-6). Encontrava-se aí um hidrópico. Aos legistas e fariseus que o espiavam, disse: “É lícito curar no sábado?” E diante deles curou o hidrópico e despediu-o. O tempo propício de salvação chegou para todos, também para os ricos, desde que decidam restituir o que roubaram, renunciar ao acúmulo e promover a justiça social; também para os “inchados”, ávidos de glórias e de recompensas, desde que se disponham a ocupar o último lugar e servir os “pobres, estropiados, coxos, cegos” (14,13) sem esperar nada em troca. “Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (19,10).
São muitos os momentos, citados nos Evangelhos, de Jesus nas casas. Revelam certamente uma intenção eclesiológica. Os discípulos (e, várias vezes, a multidão) estão junto a Jesus nas casas, lugar de ensino e de promoção da vida sem exclusão. Assim como faz Jesus, devem fazer também seus seguidores. Ao enviá-los em missão, deu aos seus apóstolos “o poder de expulsar os espíritos impuros e curar todo tipo de doença e de enfermidade”, recomendando que entrassem nas casas como portadores da paz (cf. Mt 10,1-12).
Alguns dos que foram libertados por Jesus são também enviados a evangelizar em suas casas: “Vai para casa, para junto dos teus, e anuncia-lhes tudo o que o Senhor, em sua misericórdia, fez por ti” (Mc 5,18-20).
Esta teologia da casa reflete certamente a prática da Igreja primitiva. Vários textos o confirmam: “Partiam o pão pelas casas e tomavam a refeição com alegria e simplicidade de coração” (At 2,46); em Jerusalém, na casa de Maria, mãe de João Marcos, reunia-se uma comunidade (At 12,12); também na casa de Lídia (At 16,40), de Priscila e Áquila, em Corinto (At 18,1-3), e de vários outros.
- Em todos os lugares
Jesus e os discípulos percorrem o país e atravessam fronteiras, caminhando e semeando os sinais do Reino de Deus. Todo lugar e todo momento são oportunidades de exercer a misericórdia: por meio de ensinamentos como o sermão da montanha (Mt 5-7) e o da planície (Lc 6,20-49); pelo discurso das parábolas (Mt 13) e o da comunidade (Mt 18); pelas controvérsias a respeito das tradições dos fariseus (Mt 15,1-20); pela orientação aos discípulos, no caminho a Jerusalém, sobre o seu seguimento (Mc 8,27-10,52); e tantos outros momentos demonstrativos do empenho de Jesus em levar a Boa-Nova da vida e salvação a todos.