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Religião, crises e transformações
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Religião, crises e transformações

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Quando perguntaram a Jay Ogilvy, professor de Filosofia na Universidade de Yale, qual a maior invenção dos últimos dois mil anos, ele respondeu que foi o secularismo. Identificava religião com superstição, capaz de levar os homens a negar sua liberdade e autonomia, submetendo-se à “férula dos deuses”.[1] Não era uma afirmação panfletária e menos ainda irresponsável.

Não negava a existência de mistérios e a necessidade de ser humilde diante deles. Mas sustentava que não se podia abandonar a liberdade e a responsabilidade humana por nosso destino. Retomava, validando, as teses de Marx, Freud e Nietzsche, que, com matizes diferentes, enfatizavam a visão da modernidade em sua crítica ao caráter antilibertário da visão religiosa do mundo e da História.

Sua afirmação vinha num momento em que se saudava a revanche dos deuses, o retorno da religião e a volta do sagrado; cientistas sociais repensavam suas posições, tomando o fenômeno como um desmentido às suas teorias sobre a secularização, vista como inevitável a partir dos anos 1960, porém, como confirmação da capacidade da razão de dar novos rumos à vida humana.

Por que começar de tão longe se o tema em discussão diz respeito ao Brasil? Pouca atenção se presta ao fato de que hoje somos “exportadores de religiões”. Grupos pentecostais, até há pouco minoritários, numericamente insignificantes, em curto espaço de tempo transformaram-se em grupos poderosos, em agências religiosas com poder de penetração nos vários segmentos da sociedade em dimensões até então jamais imaginadas.

Simultaneamente, as Igrejas — no sentido sociológico do termo — perdem força e não só na Europa, continente que se defronta com um problema inusitado: o que fazer com templos desocupados, dotados de valor histórico e artístico inestimável? Transformá-los em museus, dance clubs, restaurantes de luxo?[2] O fim do socialismo real tornou a católica Polônia um país pouco diferente da luterana Suécia ou da presbiteriana Escócia.

A sociedade do bem- estar tomou o lugar das velhas identidades ligadas a um universo de significação religioso. Um universo sociocultural e econômico reconfigurado produz mudanças no interior das grandes igrejas, desafiadas pela emergência de “crenças seletivas” (acredita-se no que se acha razoável, não no que as igrejas dizem). Estas cumprem funções psicológicas e antropológicas (como instituições rituais de iniciação), mais que propriamente religiosas em sentido estrito.

Ao mesmo tempo, a religião “parece” decidir eleições nos Estados Unidos e o islamismo parece crescer em número de adeptos e em intensidade e fervor. A visibilidade do fenômeno — construção de mesquitas — confirma a impressão. Mas o que se esconde, no caso americano, sob essa — aparente — autenticidade? De um lado, há a “América” profunda, a das pequenas cidades e “comunidades” do interior, ainda bastante ligadas à tradição.
De outro, há uma religião que não interroga a vida, mas se insere no cotidiano, de modo a confirmar um American way of life. Claro, sobre este último dado, não há novidade. Em 1959, William Herberg dizia que protestantismo, catolicismo e judaísmo eram facetas de uma só e mesma religião: o modo americano de ser. Não importa o conteúdo da crença. O americano valoriza o crer, a atitude de crer, sem que isso implique conteúdo teológico ou litúrgico. É uma religião ativista[3]Ela se insere na vida sem questioná-la, produzindo, em certos momentos, realidades inusitadas.

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