Reflexões sobre o clero: Christus Dominus, Presbyterorum Ordinis e Optatam Totius
Na estrutura da Igreja Católica, os membros ordenados (diáconos, presbíteros e bispos) desempenham serviço fundamental. A importância do clero, bem como os valores, as funções e as exigências a ele inerentes, são expressas nos três decretos conciliares que agora analisaremos.
Eis o artigo:
Na Quinta-feira Santa, juntamente com o Lava Pés, celebramos a instituição da Eucaristia e, com ela, recordamos o sacerdócio ordenado, vocação muito presente no Concílio Vaticano II, de modo particular no capítulo terceiro da Lumen gentium e nos decretos que hoje propomos para reflexão e aprofundamento: Christus Dominus (sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja), Presbyterorum Ordinis (sobre o ministério e a vida dos sacerdotes) e Optatum Totius (sobre a formação sacerdotal).
O ponto comum entre é tratar do clero, ou seja, dos ministros sagrados que receberam o sacramento da Ordem. Revisitar esses três decretos conciliares será como que um prolongamento da alegria pascal e da festa que celebramos na Quinta-feira Santa, pois veremos qual o novo conceito de sacerdote que perpassa o Vaticano II e quais são as orientações dadas pelo Concílio que certamente ainda hoje iluminam os cerca de 470 bispos, 21.800 sacerdotes e 4.770 diáconos do Brasil.
Cristo Senhor
O decreto Christus Dominus (CD), aprovado com 2319 votos a favor, dois contra e um nulo, após 16 votações, desenvolve o tema do múnus pastoral dos bispos na Igreja, que tem destaque também na Lumen Gentium nn. 19-27. O decreto inicia seu discurso em nome do “Cristo Senhor” (Christus Dominus), Filho de Deus, que desceu do céu e veio, enviado pelo Pai, para salvar seu povo do pecado e santificar todos os seres humanos (cf. CD 1). Cristo confiou aos Apóstolos a continuação da sua missão. O papa e os bispos são os sucessores dos apóstolos e, portanto, perpetuam hoje a mesma obra de Cristo.
Dividido em três capítulos, o documento aborda inicialmente o papel do bispo na estrutura da Igreja Universal, destacando a unidade episcopal e a colegialidade (e sinodalidade) que os caracteriza. Depois, desenvolve a relação do bispo com a Igreja particular, a diocese. O bispo é o pastor da diocese e tem o tríplice dever de ensinar, santificar e governar seu povo (cf. CD 11). Para tal, deve utilizar métodos apropriados às necessidades do tempo, zelar pelos sacramentos e pela vida litúrgica e orientar seus colaboradores: bispos auxiliares, padres e religiosos.
No capítulo terceiro, trata dos bispos que cooperam para o bem comum de várias igrejas, ou seja, os que tomam parte nos sínodos, concílios e conferências episcopais. Isso é essencial para a partilha de experiência e mútua colaboração entre as várias dioceses.
Elemento importante do decreto é recordar aos bispos do mundo inteiro a sua responsabilidade para com toda a Igreja e com o mundo. Essa responsabilidade se desdobra na partilha e no especial cuidado “pelos pobres e humildes” (CD 6; 7; 13).
Vida dos sacerdotes
Um dos documentos menos conhecidos do Vaticano II é o Presbyterorum Ordinis (PO), sobre o ministério e a vida dos presbíteros. Esse decreto pequeno, mas muito profundo, tomou corpo ao longo do próprio Concílio, seguindo as mudanças de concepção da Igreja e suas relações trazidas pelos demais documentos, especialmente as constituições dogmáticas que já apresentamos anteriormente. O papel do padre na comunidade e no mundo deve estar em sintonia com as novas ideias que brotaram do Concílio, daí a necessidade de um documento específico, aprovado em 7 de dezembro de 1965, com 2390 votos a favor e apenas 4 contra, após várias redações e observações.
Segundo bem sintetizou o cardeal colombiano Darío Castrillón Hoyos, prefeito da Congregação para o Clero até 2006, “durante o debate conciliar havia duas concepções diferentes do sacerdócio em ação: de um lado, uma visão funcional do ministério sacerdotal, vendo o padre como aquele que proclama a Palavra, conduz a comunidade em oração, e assim por diante; de outro lado, uma visão sacramental-ontológica do sacerdócio, vendo o padre como conformado a Cristo pelo sacramento das ordens sagradas.” No entanto, as duas visões são complementares e inseparáveis e é isso que o documento apresenta.
Como o decreto sobre os bispos, o Presbyterorum Ordinis apresenta três capítulos. O primeiro – “O presbiterado na missão da Igreja” – trata da natureza e condições dos sacerdotes. Destaca que são homens escolhidos e separados do Povo para se consagrarem totalmente a Deus e à sua obra (PO 3). Esse capítulo faz referência ao sacerdócio universal do cristão.
Em Cristo todos os fiéis se tornam sacerdotes, isto é, buscam a sua santificação e a santificação dos outros, e dão testemunho profético do evangelho (PO 2). Mas como no Corpo nem todos os membros tem a mesma função, recordando o ensinamento paulino em Rm 12,4, alguns são chamados ao grau da Ordem para oferecer sacrifício e perdoar os pecados. Este tema é complementado pelo capítulo dois, onde se fala das funções do presbítero: ministro da Palavra de Deus e dos Sacramentos, educador do povo e pastor das almas.
No capítulo três são desenvolvidos temas essências para a vida do sacerdote e talvez este seja o ponto mais importante para recordarmos. O presbítero é vocacionado à santidade e à perfeição. Age in persona Christi, ou seja, é instrumento de Cristo para a edificação do seu Corpo, que é a Igreja, e para a santificação do povo.
Aqui são apresentadas também as exigências espirituais dos sacerdotes: humildade e obediência (sinal de unidade), celibato (sinal da graça e da entrega a serviço de Deus) e pobreza (sinal do desapego aos bem materiais em vista dos espirituais). A Sagrada Escritura e a Eucaristia são tidas como meios que favorecem a vida espiritual, juntamente com os retiros e a direção espiritual. A conclusão do documento deixa uma palavra de confiança e incentivo diante dos desafios.
Formação do clero
Para termos bons bispos e bons presbíteros, é importante ter uma boa formação inicial. É exatamente sobre esse tema que trata o decreto Optatam Totius, promulgado em 28 de outubro de 1965, após recolher 2318 votos a favor e três contra. Basicamente, destaca-se a necessidade de se formar os seminaristas como verdadeiros “pastores de alma”, a exemplo de Cristo, no tríplice ministério da Palavra, do culto e da santificação. A intenção ali expressa é que os padres devem se dedicar mais à sua missão específica de evangelizar e formar cristãos, liberando-se de tarefas que foram acumulando nos últimos tempos, como a administração de obras e bens das paróquias e dioceses.
Optatam Totius é dividido em sete tópicos, que abordam temas variados como a promoção ativa das vocações, a função do seminário maior, os estudos eclesiásticos e a formação integral (espiritual, intelectual e disciplinar). O último ponto destaca a necessidade de atualizações constantes, tema ao qual estamos já habituados com o papa Francisco e que foi recorrente ao longo do processo sinodal que estamos vivendo. Urge uma mudança nos processos formativos para que os novos sacerdotes respondam mais assertivamente à Igreja sinodal que o Papa promove.
Seis décadas depois, é bom rever os documentos conciliares para atualizar a beleza do seu ensinamento e resgatar os profundos conceitos sobre a essência e os valores que constituem o verdadeiro sacerdote de Cristo. Que o exemplo e a intercessão de são João Maria Vianney, padroeiro de todos os sacerdotes do mundo, inspire e renove neles o ardor evangélico e pastoral.
Por Darlei Zanon, jornalista e assessor editorial da PAULUS Editora