Reconhecer a presença do Espírito Santo nestes três milênios da caminhada da Igreja, renova a inspiração, alegra e encoraja a missão dos batizados, porque devemos está no mundo para renová-lo com nossa maneira de falar, trabalhar, de servir e rezar (cf. Rm 12, 2). Se cheios do Espírito Santo os Apóstolos incendiaram o mundo, hoje, Ele continua pela força emanada da Eucaristia, purificando e renovando as veias da Igreja, nos dando um sangue novo, capaz de fazer de cada batizado, farol tão potente que pode ultrapassar cidades, estados e países a luminosidade de nossa fé e a graça de Deus por meio de nossas obras.
Devemos perceber a Providência Divina na vida da Igreja, desde os primórdios. Nos Atos dos Apóstolos, encontramos uma presença materna doada pelo próprio Senhor no episódio da Cruz. A compleição da Virgem Maria, misteriosamente fez e faz a Comunidade Cristã se sentir mais segura. Sua permanência no meio dos discípulos cria um sentimento de continuidade na descontinuidade¹. A Mãe de Jesus está no meio dos seguidores dele, porque é inspirada pelo mesmo Espírito a jamais abandonar e nem ser excluída da Igreja. Já não era para Maria um “orgulho” ser considerada mãe do Corpo humano e místico de seu Filho, mas se tornara uma obrigação, quem sabe até dolorosa, proteger, interceder, consolar a Igreja perseguida e orientar com sua experiência e simplicidade de Mulher da fé. Assim como em Jerusalém houve uma preparação para a vinda do Espírito, e enquanto ele não chegava a Comunidade perseveravam em oração (At 1, 14), assim, a Igreja nos ensina a esperar a ação de Deus naquilo que somos incapazes de resolver, tendo como modelo este Evento registrado em Pentecostes. Ali estava a Mãe do Senhor. Ela não precisava do Espírito Santo, pois já era “cheia da Graça”, mas se permanecia ali, tinha um motivo: o exemplo. A Virgem Maria nos ensina que de fato o Espírito de Deus faz grande revolução no homem, mas não passamos de uma “peneira vazia” que só fica cheia, quando está inundada na água. Sendo assim, nunca é demais receber e permanecer na força santificadora do Senhor que se oferece na vida da Igreja. Entendamos melhor em que sentido queremos apontar para a presença de Maria no meio da Assembleia dos cristãos:
Maria, pois, lembra e proclama à Igreja isto em primeiro lugar: tudo é graça. A graça é a característica do cristianismo, que por ela se diferencia de qualquer outra religião. Do ponto de vista das doutrinas morais e dos dogmas, ou das outras praticadas por seus adeptos, pode haver semelhanças e equivalências, ao menos parciais. As obras de alguns adeptos de outras religiões podem ser até melhores que as de muitos cristãos. O que faz a diferença é a graça, porque a graça não é uma doutrina ou uma ideia, mas é antes de tudo uma realidade, e, como tal, ou existe ou não existe. A graça decide da qualidade das obras e da vida de uma pessoa: isto é, se elas são obras humanas ou divinas, temporárias ou eternas. No cristianismo existe a graça, porque há uma fonte central de produção da graça: a morte redentora de Cristo, a reconciliação por ele operada. Os fundadores de religiões limitaram-se a dar o exemplo, mas Cristo não deu só o exemplo; deu a graça².
A Igreja Apostólica foi aprendendo, orientada pelo Espírito Santo, a amar a figura materna de Maria. Porém, não se relata e nem deveria estar registrado no Cânon das Escrituras neo-testamentárias esta relação afetiva de Comunidade Cristã e a Mãe do Senhor, porque os escritos apostólicos não foram inspirados ou elaborados pensando em registrar os feitos de Maria, mas toda a ação de seu Filho Jesus, o Verbo Encarnado (Jo 1, 14), aquilo que chamamos na teologia de “Economia da Salvação”. Porém, os eventos e as personalidades presentes na vida da Igreja também tiveram o seu lugar na Bíblia. E, nele, Maria tem a sua parte sendo “Mãe” (Gl 4, 4-7), “Mulher de oração” (At 1, 14), e, depois de sua páscoa terrena, vista como a “Mulher vestida de sol” (Ap 12, 1). Os Padres da Igreja, meditando sobre o estupendo mistério da Eleição de Maria e olhando as mais requintadas obras de arte que procuravam mostrar a Mãe sempre unida a seu Filho por meio da pintura, poesia ou oração, teologizaram sobre a figura de Maria de Nazaré, reservando a ela as mais nobres palavras em seus escritos.
No século XI a Igreja do Oriente e do Ocidente sofre com a separação entre orientais ortodoxos e latinos. Porém, seguimos tendo a mesma Bíblia e quase todos os pontos doutrinários em comuns. No séc. XVI governa a Igreja Latina o Papa Sixto V, e, por necessidade pastoral escreve a bula “Dum Ineffabilia” de 30 de janeiro de 1586. Ele enfrenta com grande firmeza as consequências do período da grande apostasia contra a fé católica iniciada em 1517, e proclama para todo o orbe cristão uma declaração muito profunda sobre a presença materna de Maria na vida da Igreja, exaltando e defendendo o culto a ela tributado em todos os lugares da terra, vejamos:
Quando piedosamente investigamos os insignes e inefáveis merecimentos com que a Mãe de Deus, a Santa Virgem Maria, vemos gloriosamente reinar nos céus, anteposta nas moradas celestes. Esplendidamente Maria brilha como estrela matutina, devemos meditar sobre o instinto do coração que ela, como mãe da Misericórdia, mãe de graça e piedade, amiga e consoladora da linhagem humana, ativa e vigilantíssima advogada em favor da salvação dos fiéis, sumamente abrumados pela culpa dos delitos, interpõe seu valimento ante o Rei. Ela o concebeu e amamentou, e, por isto, julgamos por algo digno, ter igrejas, capelas e confrarias erigidas e instituídas em sua honra. Assim, sejam obsequiadas com indulgências, e sejam também defendidas pelo peso de nossa aprovação.
Exaltar a vida, a presença e a missão de Maria na Igreja, nunca diminui a glória, a bondade e o poder de Deus. Maria se junta a Igreja e adora ao Senhor, Aquele que a escolheu e a cumulou de graças para serem distribuídas entre nós que pedimos sua intercessão. Portanto, o argumento de que Jesus, “o único Mediador” X a “Mediação de Maria e dos Santos”, é um conflito inexistente segundo as Escrituras e a Tradição da Igreja.
Côn. José Wilson Fabrício da Silva, crl
Membro da Academia Marial de Aparecida
Notas
1 Continuidade na descontinuidade significa que a presença humana de Jesus já não se poderia ter após a Ascenção, mas a presença consoladora de Maria e o Dom do Espírito Santo por meio da Ação sagrada da Liturgia que acabara de nascer, não permitia que se fizesse falta a presença do Mestre, pois Ele continuava vivo na vida e na missão da Igreja. Não era meramente um sentimento que fazia a Comunidade Apostólica seguir a diante, mas a própria Pessoa de Jesus por meio da Eucaristia, da Palavra viva e proclamada, dos Sinais e da santidade manifestados e da conformidade da vida dos seguidores com a vida de Jesus, por meio do Batismo.
2 CANTALAMESSA, Raniero. Maria: um espelho para a Igreja. 14º ed. Aparecida: Santuário, 2016, pp. 23-24.
3 Cf. DOCTRINA PONTIFICIA. Tomo IV: Documentos marianos. Madrid: BAC, 1954, pp. 91-92. Tradução nossa.
Colaborou: A12