A Caminhada das Comunidades Eclesiais de Base e a teologia da libertação, enquanto sua sistematização teórica, vêm encontrando sérias resistências dentro e fora da Igreja. Ainda recentemente vimos a teologia da libertação entrar para a crônica policial. A este respeito, muito haveria a se dizer principalmente porque entra em ação o poder com suas relações de força e sua capacidade inibidora e coercitiva. Não nos parece, contudo, o caminho mais fecundo a ser seguido. Desembocaríamos em querelas eclesiásticas, com a inevitável esterilidade da abordagem. Faremos uma tentativa de ir mais a fundo, descortinando a raiz antropológica desta resistência. Nesta perspectiva, três fatores, interligados, nos parecem essenciais:
a) A não aceitação da radical ambiguidade da existência humana
A antropologia reconhece no homem um desconforto estrutural: imerso nas relações históricas, ele deposita sua esperança na utopia. Esta, representando a plenitude do humano, assegura ao homem a razão do viver. E como a história está profundamente marcada pela ambiguidade, eliminando qualquer possibilidade de uma separação inequívoca entre o bem e o mal, é normal que o homem sonhe com o fim da História e com a concreção da utopia.
A tradicional teologia do desterro, compreendendo o homem como um “degredado filho de Eva, gemendo e chorando neste vale de lágrimas”, tem sido fator decisivo no bloqueio da responsabilidade histórica. A crítica cerrada que hoje se lhe faz tem sua razão de ser sobretudo em função da ideologia subjacente, que é um espiritualismo desencarnado a serviço da desumana situação existente. Em nível de antropologia, porém, há uma profunda verdade que nem mesmo sua deformação pode fazer esquecer: é a defasagem entre a utopia humana e a realidade histórica do homem. Esta é a razão de fundo do desconforto que caracteriza a condição humana. Uma eventual negação nos situaria fora da História.
b) A fé como espaço paralelo
Não podendo arrombar as portas da utopia e não tendo condições de efetivá-la em plenitude na História, uma vez que seu aparecimento determinaria o fim da própria História, o homem procura desesperadamente espaços paralelos, sem ambiguidade. Ele tem a impressão de que, sem esses espaços, a vida ser-lhe-ia insuportável. Um deles é a fé (teológica ou antropológica), com certeza o mais enfatizado. E, pela mediação da fé, ganham destaque os personagens que, de forma eminente, a encarnam em suas vidas. Um bom exemplo é a leitura das biografias dos santos católicos e dos revolucionários marxistas.
Sob este prisma, há entre o catolicismo e o marxismo uma singular coincidência: a crença na existência histórica de heróis não ambíguos. São pessoas que, supostamente, encarnam a plenitude da utopia e que, por conseguinte, podem ser apresentados como modelos inequívocos. Na medida em que se compreende a fé como sendo essencialmente política, destrói-se o sonho da utopia histórica.
c) A existência de duas Histórias
Em nível de fé teológica, a afirmação de uma fé como espaço paralelo sem ambiguidade e a consequente exclusão de uma fé essencialmente política encontraram expressão na crença ingênua de que existem duas Histórias: a sagrada e a profana. A primeira, marcada por etérea pureza, pairaria soberana acima das paixões humanas. Nela Deus aparece como o autor da História. Em consequência, a ambiguidade ali não encontra espaço.
A segunda, marcada pelo pecado, é expressão do egoísmo, do interesse, da ambição, da injustiça. Nela o homem aparece como o autor da História. Ali está a razão de sua ambiguidade. A conclusão é inevitável: em dimensão de liberdade, o homem é incapaz de fazer história. Por outro lado, teologicamente fica difícil sustentar ainda o realismo da Encarnação.
3. Necessidade de uma recuperação frontal do espaço político