Quem tem na Bíblia Sagrada a fonte inspiradora de sua fé, é impossível que não se tenha deparado com uma figura singular: a de Myriam ou Maria de Nazaré. Ao longo dos séculos e das gerações a reflexão teológica, um conhecimento mais aprofundado da Antiga e, sobretudo, da Nova Aliança, uma meditação mais abrangente dos textos sagrados encarregaram-se de desvendar a figura extraordinária desta mulher, a Mãe de Jesus.
A Igreja dos nove primeiros séculos antes das divisões produziu, pela voz de seus mestres, doutores, poetas, escritores e pregadores, páginas admiráveis sobre esta mulher bendita. Sem entrar num debate de exegese ou estudo bíblico, luminares das comunidades cristãs descobriram o nome e o papel de Maria na promessa de Deus à serpente do Gênesis:
“Porei inimizade entre você e a mulher, entre a descendência de você e os descendentes dela” (3,15). Maria é esta mulher, pela própria indicação de Jesus (Jo 2,4;19,26); esta Mulher, forte do poder divino, iria esmagar a cabeça da serpente antiga. Estes mesmos e prestigiosos pais na fé entreveram a mesma Maria na mulher do Apocalipse: “vestida de sol, calçada de lua e coroada de doze estrelas, que escapa às insidias do Dragão” (Apc 12,1-6).
Todos os homens do Antigo Testamento são vistos como imagens e sinais reveladores da vocação e missão de Jesus Cristo; assim, em todas as mulheres do Antigo Testamento os santos doutores e mestres da fé descobriram um anúncio profético da Mãe do Messias.
No Novo Testamento, a escassez das referências explícitas a Maria contrastam com a relevância do seu conteúdo. O anjo a saúda, na cena transcendental da Anunciação, clamando-a “Kekaritaméne”, ou seja, “a repleta de todos os dons e carismas do Espírito Santo”, ou “a cheia da graça divina”, “a revestida pelo Espírito Santo”.
Ela, a primeira e mais sublime pentecostal, traz, no seu seio virginal – diz o Evangelho – a obra-prima do Espírito Santo, Jesus Cristo (Mt 1,20-21) e os atributos com que os evangelhos a tratam são simplesmente a de ser a Mãe do Messias (Lc 1,26-38; Mc 6,3).
Como Jesus, na sinagoga de Nazaré, declarou que as antigas profecias se tinham realizadas nEle (Lc 4,21), assim, Maria, na visita à prima Isabel entoa em alta voz um hino de adoração e louvor a Deus pela sua divina maternidade: “Ele olhou para a humildade de sua serva. Todas as gerações, de agora em diante vão me chamar de bem-aventurada, porque o Todo Poderoso partilhou comigo seus dons mais sublimes” (Lc 1,48-49).
É ela quem educou Jesus: debaixo do olhar dela, Ele cresceu “em sabedoria, em estatura e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52). É a ela que lhe foi submisso durante os longos anos de vida oculta em Nazaré (Lc 2,51). É ela que guardava no seu coração todos os fatos salvíficos do Antigo e Novo Testamento (Lc 2,19.51).
Nas bodas de Canaã, na Galileia, num episodio de altíssima significação teológica, – é nada menos do que a “hora” de Jesus e o início de seu ministério público -, é Maria quem apressa essa hora com sua mediação materna, respeitada e acolhida pelo Mediador, Jesus Cristo: unida a Ele, é a protagonista do início da nossa salvação. João revela: “Este foi o primeiro sinal que Cristo fez, manifestou sua glória e os discípulos creram nEle” (Jo 2,11).
Já se encontra aqui preconizado o papel especifico de Maria na obra redentora de Cristo: pela fé dela (Lc 1,45), “os discípulos cresceram na fé” (Jo 2,11). É vislumbrada aqui a sua maternidade eclesial (Mãe da cabeça, que é Cristo; Mãe do corpo, que é a Igreja).
No Calvário, ela está, não prostrada, nem desmaiada, mas de pé, presente e associada ao acontecimento central da história da nossa Salvação. Ao “sim” de Cristo, obediente ao Pai, “até a morte e morte de Cruz” (Fil 2,8) está ela, “trespassada por uma lança” (Lc 2,46), intimamente associada à obra da salvação de Cristo.
Ai, ela é dada por Jesus como mãe ao “discípulo a quem Jesus amava” (Jo 19,26). E, os mais autorizados comentadores do Evangelho de São João afirmam: Jesus confiou à sua Mãe o cuidado de todos os discípulos que, ao longo dos tempos e gerações, o teriam seguido.
Outro momento mais significativo da vida de Cristo é a efusão do Espírito Santo sobre a Igreja, reunida no Cenáculo. O Espírito Santo prometido desce com força e potência sobre os apóstolos, reunidos no Cenáculo, com “Maria, a Mãe de Jesus” (At 1,14).
Logo após o Edito do Imperador romano, Constantino, no ano 313 da nossa era – Edito que deu à Igreja a liberdade de existir e de se propagar – começaram a pipocar heresias à respeito de Jesus. Um tal de Nestório, patriarca de Constantinopla, admitia em Cristo duas naturezas, a humana e a divina, porém separadas, unidas apenas moralmente, não substancialmente, e afirmava que Maria era a Mãe do homem Jesus, não a “Mãe de Jesus Deus”.
O Concílio de Éfeso, celebrado no ano 431, condenou como herética esta proposição e proclamou Maria “Teotókos” = Mãe de Deus, pois, em Cristo, a natureza divina e humana estão entrelaçadas substancialmente, formando assim uma só pessoa e uma profunda unidade.
O povo cristão, conduzido pelo Espírito Santo (Jo 16,12-13), começou, assim, a crescer na veneração para com a Mãe de Deus. Se ela é Mãe de Deus, então, ela é grande: nosso dever é de honrá-la; por ser ela a Mãe de Deus, é santa: portanto, é necessário imitá-la; sendo Mãe de Deus, ela é poderosa: nós podemos invocá-la em nossas necessidades.
Esta posição de Maria de Nazaré que, no desígnio amoroso de Deus, foi escolhida para ser a Mãe do Messias e, portanto, do Verbo Encarnado, é exaltada não apenas pelas Igrejas cristãs, mas, também pelas grandes religiões da humanidade.
O Judaísmo, reconhecendo em Jesus, senão o Messias, certamente um dos grandes na linhagem dos profetas de Israel, vê nela a filha de Sião, mulher da raça de Abraão, Isaac e Jacó, a imagem mais perfeita do povo eleito. O Islã dedica um capitulo inteiro, no seu livro Sagrado, o Alcorão, a Maria e lhe canta louvores rasgados por aquilo que Allah (Deus) realizou nela.
Os cristãos não-católicos, começando por Lutero, contemplam Maria na sua estreita comunhão com Jesus. Os cristãos ortodoxos têm para com ela um culto de veneração em nada inferior ao dos católicos, até são mais enfáticos, sobretudo em alguns antigos incomparáveis textos litúrgicos. Deste culto de devoção e amor filial, de reverência e admiração, nasceram, no curso de quase dois mil anos de fé, obras-primas de poesia e de músicas, de esculturas e pinturas.
Estão, sem duvida alguma, entre as mais belas obras-primas da arte pictórica mundial os ícones russos, ucranianos, búlgaros e rumenos dos séculos XII a XIV, que representam a tranquila beleza da Teotókos (Mãe de Deus). No Ocidente, os mais renomados artistas puseram no mármore ou na tela aquilo que se pode captar do mistério interior desta grande Mulher.
O amor dos verdadeiros discípulos de Cristo à Virgem Maria é simplesmente um amor de filhos à mais rica e amável das mães. Esta homenagem é o que de mais agradável possamos oferecer ao seu Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, pois a glória dela, se reflete nEle (Lc 1,36-42).
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