2 A modernidade e a Igreja Católica
2.1 O início das “guerras culturais” na Europa
A reafirmação católica, que começou na Europa a partir de 1815, foi consolidada com a Restauração, que revitalizou a aliança entre o trono e o altar. Embora as revoluções liberais fossem acompanhadas por novas ondas anticlericais, ao mesmo tempo em que acontecia o nascimento da sociedade industrial, a vida cristã vivia um período de fortalecimento que durou até 1880. Por um lado, consolidava-se a revitalização e criação das ordens e congregações religiosas. Por outro lado, a ação pastoral se desenvolvia de acordo com um novo espírito, que conferia especial valor à religiosidade popular. Eram tempos de festas dos padroeiros e procissões, obras de juventude e livros religiosos populares, de devoção ao Sagrado Coração, de adoração eucarística e piedade mariana, de construção de igrejas e grande impulso às peregrinações coletivas.
Em meados de 1846, Giovanni Mastai Ferretti, que percorrera as capitais do Cone Sul na década de 1820, tornou-se o papa Pio IX. Seu pontificado, que durou mais de 30 anos, coincidiu com esse renascimento religioso e com o processo de centralização romana, que parecia estar baseado em alguma apreensão sobre a multiplicidade de igrejas locais e apoiava a subordinação dos bispos às diretrizes de Roma. O papa e seus assessores estavam convencidos que esse era o modo de garantir a restauração da vida católica e de reagrupar as forças da Igreja para enfrentar os desafios do liberalismo anticristão. Com o apoio das nunciaturas e das congregações religiosas, entre as quais se destacou a Companhia de Jesus, a romanização marcou por décadas a vida da Igreja e teve a entusiasta adesão das massas católicas, atraídas pela integridade e carisma de Pio IX.
Na defesa dos valores cristãos, os católicos romanos e os romanizados adotaram todos os meios modernos de organização, mobilização e comunicação. Eles fundaram jornais e revistas que criticavam o liberalismo político e a cultura secularizada, e apoiaram a criação de partidos políticos para manter a solidariedade e moral dos católicos, criando uma verdadeira rede na Europa e, um pouco mais tarde, na América Latina.
2.2 A crise modernista
Desde meados do século XIX, a afirmação da Igreja de Roma como uma referência para a Igreja universal, bem como as progressivas condenações das ideias liberais e dos avanços do racionalismo levaram à crescente rejeição dos grupos dominantes e daqueles que interpretavam a posição do Vaticano como um anúncio de ruptura com a modernidade. Além disso, entre 1861 e 1870, a “questão romana”, sobre o papel de Roma como a capital dos Estados Pontifícios ou como capital do Reino da Itália em formação, motivou o alinhamento da sociedade católica europeia com o papa, cuja plena liberdade foi reivindicada.
Na Constituição Apostólica Ineffabilis Deus, de 1854, Pio IX definiu o dogma da Imaculada Conceição de Maria. Em 8 de dezembro do mesmo ano, festa da Imaculada Conceição, foi promulgado o decreto correspondente. Maria, chamada a ser a Mãe de Deus, foi preservada do pecado original, a partir do qual veio a fraqueza inicial da razão humana. Exatamente dez anos depois, em 8 de dezembro de 1864, Pio IX publicou a encíclica Quanta Cura, acompanhada por um catálogo de oitenta proposições que foram consideradas inaceitáveis, conhecido como Syllabus errorum. Neste documento, Pio IX condenou erros rejeitados por todas as escolas teológicas e incluiu advertências contra o totalitarismo do Estado e contra os excessos do liberalismo econômico. Ele também se opôs abertamente à concepção liberal da religião e da sociedade – o monopólio estatal da educação, à secularização das instituições, à separação de Igreja e Estado, à liberdade de culto e de imprensa. O último dos erros condenados era o seguinte: “O Romano Pontífice pode e deve se reconciliar com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna”. O Syllabus foi um texto controverso e provocou reações complexas dentro e fora da Igreja Católica, especialmente entre os católicos liberais da França e da Bélgica (AUBERT, 1977, p.49-50). O avanço das tropas italianas, a desconfiança diante da Prússia protestante, a pressão exercida pela burguesia anticlerical prevalecente em repúblicas liberais e os impulsos do socialismo, consolidado com a reunião da Primeira Internacional em Londres, em 1864, a propagação do positivismo cientificista e o evolucionismo de Charles Darwin, além do desenvolvimento da propaganda secularista tinham provocado um forte alarme, levando à exasperação dos ânimos e a condenações contundentes.
A invasão dos Estados Pontifícios e a queda de Roma, em setembro de 1870, agravariam a “questão romana”. No Concílio Vaticano I, aberto em 8 de dezembro de 1869 e suspenso pela entrada das tropas italianas em Roma, foram aprovados, após tensos debates, dois documentos importantes: a constituição dogmática Dei Filius – que reafirmou os fundamentos do cristianismo diante dos erros modernos: o racionalismo, o materialismo e o ateísmo – e a constituição Pastor Aeternus – que determinou o primado do bispo de Roma e a infalibilidade papal.
Entre 1870 e 1914, a “crise modernista” atingiu seu ápice e afetou as principais nações da Europa ocidental: o Império Austro-Húngaro, a Alemanha, a Inglaterra, a França, a Bélgica e a Itália. A exegese bíblica de origem protestante e a publicação das primeiras obras evolucionistas de Charles Darwin influenciaram esse processo. O papado e as sociedades católicas resistiram, de vários modos, aos avanços da secularização e ao anticlericalismo. No entanto, em 1878 começara o pontificado do Papa Leão XIII, marcado pela prudência e o estilo pedagógico. Embora o novo pontífice mantivesse a condenação ao liberalismo – a liberdade de religião, imprensa, educação e de consciência – ao indiferentismo e ao secularismo, suas propostas foram renovadoras no campo social e mesmo no político, com as encíclicas Catholicae Ecclesiae (1890), Rerum Novarum (1891) e Graves de Communi Re (1901).
No início do século XX, a revitalização do denominado modernismo teológico, influenciado pela teologia protestante, especialmente a Escola de Tübingen, causou novos atritos. Nesta nova fase, destacaram-se o teólogo francês Alfred Loisy (1857-1940) e o jesuíta irlandês George Tyrrell (1861-1909), ambos condenados. Segundo o cardeal Desejo Mercier, Arcebispo de Malines, renomado teólogo neotomista e reitor da Universidade Católica de Lovaina, o modernismo teológico tinha, na sua origem, dois grandes erros: primeiro, “o suposto antagonismo entre a Igreja e o progresso”, e segundo, “a assimilação inconsciente da constituição da Igreja Católica às organizações políticas das sociedades modernas”, ignorando a autoridade do Papa e dos bispos como “continuadores da missão apostólica” de Jesus Cristo (MERCIER, 1907, p.35-38).
Em 1907, a encíclica Pascendi Dominici gregis, de Pio X, condenou o modernismo como “a síntese de todas as heresias”. Também foi instituído o “juramento antimodernista”, obrigatório para “todo o clero, os pastores, confessores, pregadores, superiores religiosos e professores de filosofia e teologia nos seminários”.